7 de abril de 2015

Analistas modernos ou contemporâneos?, por Celso Rennó Lima

O estatuto do gozo fálico se ordena, a partir de uma subtração do gozo sexual promovida pelo retorno da Demanda sobre o gozo, estabelecendo, definitivamente, um limite e abrindo um espaço onde um objeto poderá se constituir em causa de desejo.

Este movimento que se sustenta no fato de que o pai se veicula através da demanda do Outro, (a mãe, frequentemente) é suficiente para estabelecer um certo vínculo com o que J-A Miller define como o saber suposto das mulheres. Suposição de saber que se impõe a partir do segredo estrutural da palavra, na medida em que há algo que não se pode dizer, do lado das mulheres[1].

Este segredo estrutural vai determinar que algo sempre se apresente como faltoso no encontro do sujeito com o Outro sexo. É neste lugar de falta, que o discurso vai se apresentar como possibilidade, determinando um modo de relação que se traduzirá no sintoma. 

Façamos uma diferença entre o moderno e o contemporâneo. No moderno, embora exista uma certa desmaterialização das representações, como muito bem ilustra a chamada arte moderna, vamos encontrar um otimismo de forma, ou uma busca da ótima forma, da forma ideal. Este é o efeito do sujeito moderno, criado por Descartes. Um sujeito esvaziado de seus conteúdos, mas entretanto, fundado em seu princípio de limitação formal: o cogito: Penso, logo existo.

No contemporâneo, por outro lado, o que se apresenta é a promoção do objeto a da álgebra lacaniana que traz, consequentemente, uma abertura ao disforme, “àquilo que transborda, ao parcial e ao não-todo.

Se fizermos, a partir do que acaba de ser exposto, um amplo recorte na história das idéias, poderemos pensar que, do Cogito cartesiano ao universal hegeliano, o que se viu foi o desenvolvimento do princípio de limitação[2] que Lacan deposita no lado masculino da sexuação xφx xΦx.

Se nossa hipótese está correta, poderemos pensar que o sujeito moderno, o sujeito da ótima forma, será correlativo do sujeito masculino. 

Uma questão se coloca a partir deste desenvolvimento: haveriam efeitos sintomáticos ao masculino provocados pela situação contemporânea? Como seriam afetados as modalidades de gozo a partir da promoção do objeto a na contemporaneidade?

Para começarmos a elucidar estas questões, vamos partir da afirmação freudiana de que, tanto homens, quanto mulheres, tem, no simulacro fálico a única forma de se representar o sexo. Esta afirmação, podemos articulá-la às idéias de Laurent quando concebe o modo de gozo masculino, basicamente, como articulações sintomáticas feitas de um encadeamento do gozo fálico com os ideais encontrados no Outro[3]. J-A. Miller, ao propor o matema da fantasia masculina $ <> Φ(a) esclarece como o desejo masculino se sustenta de semblantes falicizados[4]. Podemos ler este matema dizendo que o sujeito promove a oferta de objetos fálicos que possam apaziguar as demandas produzidas pelo encontro com o Outro sexo. Uma pequena modificação ao matema, a partir da introdução do Outro ficaria assim formulada: $ <> Φ(a) - A/. Ali onde um desejo pode surgir no buraco do simbólico a oferta de um substituto que inaugura uma série infinita, sem ponto de conclusão estará sempre pronta para preenche-la.

No entanto, a operação do discurso analítico sobre este sujeito, fazendo incidir os efeitos do objeto a no masculino, produz o que Lacan denomina de efeito feminizante em seu seminário XVII. Como ser falante (o que se abriga sob o princípio macho) é intimado a justificar sua essência (...) e, muito precisamente - e exclusivamente - pelo afeto que ele experimenta por este efeito feminizante que é o a.[5]

Esta não foi a primeira vez que Lacan se referiu à feminização ao longo de seu ensino. Em Uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose, ele trabalha o empuxo à mulher como uma saída possível ao psicótico.

Outra ocasião em que este tema é apresentado, sem contudo ser totalmente explicitado, foi no Seminário sobre A carta roubada.

Retomando o tema da contemporaneidade, verificamos que a época atual está caracterizada por uma ascensão do objeto a em detrimento do ideal. Seguindo a tese do efeito feminizante do objeto a, podemos dizer que há, no momento atual, uma ascensão da feminização, ou seja, o sujeito masculino está afetado em seu princípio de limitação pela parcialização do objeto a, pelo não todo feminino[6]

Fator preponderante neste processo é o fracasso do pai em levar a bom termo sua função de converter o buraco que organiza a estrutura da família edípica em lugar misterioso da causa de seu desejo. Esta nova versão da metáfora paterna nos explicita a inserção dos velhos sintomas em novos contextos, denotando que a forma atual de se viver as vicissitudes do desejo promoveu um verdadeiro remanejamento do que podemos chamar de clínica do falo e do gozo fálico[7].

Este remanejamento é que vai possibilitar ao homem se relacionar com o que pode ser denominado fiador sexual: uma mulher colocada como causa de desejo. No entanto, isto que o homem tanto almeja só advém quando este último se depara com um desejo que não seja anônimo. Um desejo que não esteja sob a égide do para todos a mesma coisa. Um desejo que carregue consigo a marca singular, quase sempre irreconhecível do nome e que torna o ser sexuado masculino portador da lei que se articula com o desejo. A possibilidade de utilizar esta marca como um ponto de báscula na globalização proposta pela contemporaneidade é o que desloca o pai das funções de guardião do sentido, do sentido sexual, do sentido fálico, para o pai do qual é preciso se servir[8], indo além.

Este resíduo promove o fato irredutível da transmissão fálica no humano e propicia a oportunidade de poder se dizer o não que vai impedir que uma adaptação ao mundo  viesse escamotear o que há para se saber do insuportável.


Resumo:

Discute-se, a partir do que foi exposto pelos AEs, a presença do analista no mundo contemporâneo frente ao declínio do Pai e e queda os idéias sociais.

Seria a feminização uma saída possível? Se for, do que se trata.

Palavras chaves: feminização, contemporâneo, moderno, desejo, sexuação.



Notas:
[1] Miller, J-A. Des semblants dans la relation entre les sexes, Revue de Psychanalyse La Cause freudienne nº 36 ECF Paris, 1997, pag. 13.

[2] Laurent, E.

[3]  Laurent, E.,

[4] Miller, J-A. Des semblants dans la relation entre les sexes, in Revue de Psychanalyse, Nº36, ECF, Paris. Pag. 14.

[5] Lacan, J. O avesso da psicanálise

[6] Miller &Laurent, LAutre qui nexiste pas... lição de 21/05/97, inédito.

[7] Laurent, E., Op, Cit. Pag. 39.

[8] Idem, pag. 40.

Nenhum comentário: