19 de setembro de 2007

Nota sobre os Centros de Psicanálise Aplicada à Terapêutica


Nota sobre os Centros de Psicanálise Aplicada à Terapêutica

Elisa Alvarenga,
Presidente da EBP

Nos últimos quatro anos, os psicanalistas das diversas Escolas da Associação Mundial de Psicanálise vêm criando Centros de psicanálise aplicada à terapêutica, em vários países da Europa e da América do Sul. Este programa de extensão e oferta da psicanálise à população teve início e ganhou consistência a partir da orientação dada por Jacques-Alain Miller em seu Curso de Orientação Lacaniana, que se realiza, há vários anos, em Paris.

Os Centros Psicanalíticos de Consulta e Tratamento (CPCT), nos quais se inspiram outras tantas instituições e experiências de aplicação da psicanálise no Campo Freudiano, também no Brasil, se caracterizam pela gratuidade e pelo tratamento por tempo limitado. Uma primeira estratégia de funcionamento é a separação entre a consulta e o tratamento: nas consultas, que consistem em uma série limitada de entrevistas, trata-se de esclarecer o motivo da procura de tratamento e circunscrever, o mais precisamente possível, o problema a ser tratado, dando um nome à demanda do paciente. Trata-se de fazer da demanda um sintoma, produto do encontro com um psicanalista (cf. Hugo Freda, "CPCT de Paris, experiências e resultados", in Opção Lacaniana 45). Uma vez localizado o problema, o paciente é encaminhado para o tratamento.

O tempo limitado, articulado à separação entre a consulta e o tratamento, dá à transferência uma especificidade que, aliada às sessões curtas, tem permitido promover a redução progressiva do sintoma à construção de um saber, com maior valor de uso do que de acúmulo. O sujeito se surpreende com as soluções que vai encontrando, seja mudando as coordenadas do problema, seja fazendo dele uma nova leitura.

Esta retificação da posição do sujeito pode levá-lo a fechar, com a saída, a questão aberta na entrada, ou ele pode abrir uma nova questão, a ser tratada alhures. O tratamento de curta duração é favorecido pelas sessões curtas, que impedem o excessivo desdobramento da transferência, enquanto suposição de saber, e do sentido.

Freud já prognosticava, no início do século passado, um futuro mais extenso para a psicanálise. Sua conhecida metáfora de unir o ouro puro da psicanálise com o cobre da terapêutica, separa desde então a psicanálise pura, necessária à formação dos analistas, da psicanálise aplicada, com a intenção de obter efeitos terapêuticos em curto tempo. Já Lacan, no Ato de Fundação de sua Escola, abre um departamento para a investigação da aplicação da psicanálise à terapêutica. O fundamental é que quem pratica a psicanálise aplicada tenha sua formação solidamente sustentada em sua própria análise.

Uma leitura redutora do nosso programa de psicanálise aplicada, e seus fundamentos em Freud e Lacan, quer fazer crer que esse tratamento se destinaria aos pobres, enquanto para os ricos, a psicanálise continuaria a mesma, a longo prazo. Ora, essa oferta não é feita exatamente aos pobres, mas àqueles que não se disporiam, pelas mais diversas razões – por não conhecer a psicanálise, por ter preconceitos contra ela, por não ter recursos ou não querer arcar com ela etc – a pagar por uma análise. Oferta-se a psicanálise, por um tempo limitado, e o sujeito pode se beneficiar com ela e dar-se por satisfeito com o resultado obtido, ou pode querer levar adiante essa experiência. Para isso, ele disporá de diferentes alternativas, seja como tratamento conduzido por um psicanalista em instituições da rede pública, seja em um consultório, pagando o que lhe for possível.

Talvez não se saiba que, hoje, psicanalistas lacanianos trabalham em hospitais, serviços de urgência, prisões, com populações de rua, com menores infratores, com adolescentes ameaçados de morte, com loucos criminosos etc, aplicando a psicanálise às mais diversas situações, inclusive em atendimentos em grupo, quando isso é demandado ou mais indicado em determinadas comunidades. Não se trata de degradação da psicanálise, mas de sua aplicação. Não se coloca a psicanálise a serviço da ciência ou do capitalismo, condições mesmas do nascimento do discurso analítico.

Como propôs Jacques-Alain Miller, não há contra-indicações ao tratamento analítico, desde que o praticante da psicanálise esteja bem posicionado para o seu exercício, acrescenta Eric Laurent. Não se trata, no que concerne à psicanálise aplicada, de conduzir um tratamento psicanalítico até o seu final, com efeitos de formação para o analisante, mas de levar o paciente a um ponto de resolução ou satisfação relacionado ao problema que veio tratar. A saída está articulada à entrada. O tratamento de curta duração se encerra com o número de sessões necessário para completar um ciclo, resolver um problema, recolocar suas coordenadas, abrir uma questão. Trata-se portanto de fazer conhecer a psicanálise e seus resultados para aqueles que normalmente não a procurariam.

Os motivos para que alguém demande um tratamento podem ser os mais diversos – fracassos, perdas, desinserção familiar ou profissional, toxicomanias, obesidade, anorexia, bulimia, pânico, compulsões, hiperatividade, endividamento etc – e não se deve esquecer que a abertura do inconsciente, com o estabelecimento da transferência, é um instrumento que deve ser utilizado com parcimônia em determinados casos. O efeito terapêutico rápido se produz sem muita sofisticação, às vezes com pouquíssimas sessões, mesmo nos casos em que o inconsciente não se apresenta como suposição de saber. É o que podemos dizer a partir da experiência em curso. Essa oferta não é uma promessa de cura, nem se reduz a uma simples resposta às leis do mercado, porque se sustenta na possibilidade do encontro com um analista que, sem abrir mão da radicalidade do seu discurso, oferta o ato analítico como instrumento capaz de modificar a relação do sujeito com seu sintoma. Não se trata portanto de fazer desaparecer o sintoma, mas de dar-lhe forma, circunscrevê-lo, deslocá-lo, dar-lhe um destino melhor.

Não se trata, ainda, de engrossar estatísticas, mas da demonstração, na prática, de para que serve a psicanálise. O inconsciente, de que sofre o sujeito, será tratado conforme convém a cada caso: os psicanalistas bem formados sabem, melhor do que ninguém, que nem sempre deve-se dar-lhe livre curso. Portanto, a cada caso, sua solução, ou a aplicação, sob medida, do tratamento psicanalítico, de curta ou longa duração. Há pobres que podem querer uma análise por longo tempo, enquanto há ricos que preferem ficar bem longe dela. Nenhuma bipartição simples e pronta da psicanálise segundo as classes sociais condiziria com os princípios sobre os quais Freud e Lacan edificaram o tratamento analítico.

A psicanálise nos ensina que ela só pode ser aplicada caso a caso. Trata-se, é verdade, de uma experiência, realizada com a ousadia habitual dos discípulos de Lacan: trata-se de ver o que pode ser um tratamento analítico, sem defini-lo pelos parâmetros clássicos: o pagamento e a longa duração. A psicanálise deve acompanhar as mudanças do seu tempo e oferecer ao sujeito contemporâneo um tratamento mais condizente com as coordenadas atuais da civilização, uma vez que o dispositivo clássico não se aplica a muitas das novas situações e dos novos sintomas do mal-estar na civilização. Os analistas, como recomenda Lacan, devem ter em seu horizonte a subjetividade de sua época.

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